O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou
jurisprudência no sentido da competência da Justiça Eleitoral para processar e
julgar crimes comuns que apresentam conexão com crimes eleitorais. A Corte
observou ainda que cabe à Justiça especializada analisar, caso a caso, a
existência de conexão de delitos comuns aos delitos eleitorais e, em não
havendo, remeter os casos à Justiça competente.
A matéria foi apreciada no julgamento de recurso (agravo
regimental) interposto pela defesa do ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes
e do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ) no Inquérito (INQ) 4435, no qual são
investigados por fatos supostamente ocorridos em 2010, 2012 e 2014. O agravo
foi apresentado contra decisão do relator, ministro Marco Aurélio, que havia
declinado da competência para a Justiça do Estado do Rio de Janeiro por
entender que os delitos investigados não teriam relação com o mandato de
deputado federal. Contra essa decisão monocrática, a defesa interpôs o recurso
que foi remetido pela Primeira Turma do STF ao Plenário.
No agravo, os investigados pediram a manutenção da
investigação no STF, tendo em vista que Pedro Paulo ocupava na época da maior
parte dos fatos o cargo de deputado federal. Caso o processo não fosse mantido
na jurisdição do STF, requereram o encaminhamento do caso à Justiça Eleitoral
fluminense.
A corrente majoritária – formada pelos ministros Marco
Aurélio (relator), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes,
Celso de Mello e Dias Toffoli – deu parcial provimento ao agravo e reafirmou o
entendimento do Tribunal. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que votaram pela cisão de
parte da apuração entre a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal.
O INQ 4435 decorre de informação obtida em acordos de
colaboração premiada firmados por executivos e ex-executivos do Grupo
Odebrecht. De acordo com os autos, a conduta supostamente cometida em 2010 diz
respeito ao recebimento de R$ 3 milhões a pretexto da campanha eleitoral de
Pedro Paulo para deputado federal. Em 2012, a investigação se refere ao suposto
recebimento por Eduardo Paes de R$ 15 milhões em doação ilegal da empreiteira
no âmbito de contratos referentes às Olimpíadas de 2016, visando à sua
reeleição à Prefeitura do Rio. Já o fato relativo a 2014 consistiria no
recebimento de doação ilegal de aproximadamente R$ 300 mil para a reeleição de
Pedro Paulo. O caso envolve a suposta prática de crimes de corrupção passiva,
corrupção ativa, lavagem de capitais, evasão de divisas e falsidade ideológica
eleitoral.
O julgamento começou na tarde de ontem (13), quando o
relator apresentou seu voto e foi seguido pelo ministro Alexandre de Moraes. Na
ocasião, o ministro Edson Fachin abriu a divergência. Nesta quinta-feira (14),
a análise da matéria foi concluída com a apresentação dos votos dos demais
ministros.
Maioria
A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator,
ministro Marco Aurélio. Ele considerou a competência da Justiça Eleitoral do
Estado do Rio de Janeiro em relação às condutas supostamente cometidas em 2010
e 2012. Como em 2010 Pedro Paulo exercia cargo de deputado estadual, e não
federal, o relator entendeu que o Supremo não é competente para analisar os
fatos referentes ao período. Em relação aos delitos supostamente cometidos em
2012, concluiu que os fatos também não estão vinculados ao mandato de deputado
federal. Com relação aos delitos supostamente praticados em 2014, o ministro
Marco Aurélio reconheceu a competência do Supremo, pois Pedro Paulo já ocupava
o cargo de deputado federal e os fatos apurados envolvem sua reeleição.
Em seu voto, proferido na sessão de hoje, o ministro Gilmar
Mendes fez um histórico sobre o tratamento dado a todas as constituições
brasileiras sobre a competência da Justiça Eleitoral. Ele avaliou que as
Constituições de 1932, 1934, 1946, 1967 e 1969 reconhecem a competência da
Justiça especializada para processar e julgar crimes eleitorais e conexos. [Isso
demonstra uma continuidade normativa], ressaltou. Segundo ele, a Constituição
de 1988 não tratou da questão de forma taxativa, mas o artigo 121 estabeleceu
os casos submetidos à Justiça Eleitoral, seguindo a linha de raciocínio das
cartas anteriores. O ministro explicou que a razão relevante para a atribuição
de tal competência é a preocupação com o bom funcionamento das regras do
sistema democrático e com a lisura dos pleitos eleitorais.
O decano da Corte, ministro Celso de Mello, destacou em seu
voto (leia
a íntegra) que a Segunda Turma do STF não tem promovido nenhuma inovação ao
considerar a Justiça Eleitoral competente para atuar em casos semelhantes aos
dos autos, mas apenas tem se limitado a reafirmar orientação do Tribunal. A
jurisprudência da Corte tem sido muito clara já com base na Constituição da
República, destacou. No mesmo sentido também votou o ministro Ricardo
Lewandowski.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, reiterou seus
votos proferidos quando integrava a Segunda Turma e que, conforme ressaltou,
estão na linha da jurisprudência da Corte. ?Todos aqui estamos unidos no
combate à corrupção e em defesa da Justiça Eleitoral, que estará pronta para
atuar?, destacou.
Divergência
O ministro Edson Fachin foi o primeiro a divergir em voto
apresentado na sessão de ontem. Para ele, as apurações referentes aos fatos
tanto de 2010 como de 2014 deveriam ser remetidas à Justiça Eleitoral e, em seu
entendimento, não haveria razões para se manter nenhum dos casos no STF.
Segundo o ministro, os fatos apurados não têm qualquer vinculação com as
atribuições do mandato de deputado federal, ainda que se refiram à reeleição
para o cargo. Já quanto às investigações relacionadas a 2012, Fachin concordou
com o relator sobre a incompetência do Supremo nesta parcela das apurações, mas
divergiu com relação ao destino da investigação.
Para o Fachin, deveria ser determinada a cisão da
investigação referente a 2012, encaminhando-se cópia dos autos à Justiça
Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro para o prosseguimento das apurações
relacionadas exclusivamente ao delito eleitoral, e, quanto aos demais, por
conexão com o delito de evasão de divisas, à Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Ele explicou que, no casos dos crimes de falsidade ideológica eleitoral e de evasão
de divisas, a Constituição Federal atribuiu competência para processo e
julgamento a órgãos jurisdicionais distintos: a Justiça Eleitoral (artigo 121,
caput) e a Justiça Federal (artigo 109, VI), respectivamente. Portanto, segundo
o ministro, havendo concorrência de juízos com competências igualmente fixadas
na Constituição Federal, o caminho a ser tomado para a observância do princípio
do juiz natural é cisão do processo.
Primeiro a votar na sessão de hoje, o ministro Luís Roberto
Barroso seguiu a divergência. No entanto, registrou seu entendimento sobre a
matéria de forma mais abrangente. Segundo ele, a investigação em tais casos
deve ser iniciada sob a supervisão da Justiça Federal, e somente no final deve
ser definido o local de encaminhamento dos processos, a depender dos crimes
envolvidos. Barroso exemplificou seu ponto de vista afirmando que, se houver
somente o crime de falsidade ideológica eleitoral, o processo deve ser enviado
para a Justiça Eleitoral e, se houver corrupção, deve permanece na Justiça
Federal.
O ministro Luiz Fux também seguiu o voto do ministro do
Edson Fachin, mas registrou seu posicionamento no sentido de que a competência
deve ser definida somente quando a investigação tiver sido finalizada, com a
conclusão da imputação dos crimes pelo Ministério Público. Segundo Fux, a fase
inquisitorial não autoriza o Judiciário reenquadrar condutas e remeter os autos
à Justiça que entende competente.
A divergência também foi seguida pelas ministra Rosa Weber e
Cármen Lúcia.
EC/AD
Fonte e foto:STF