Brasil é governado por um bando de maluco, diz Lula em entrevista na prisão

O ex-presidente Lula afirmou nesta sexta (26), em entrevista
exclusiva concedida à Folha de S.Paulo e ao jornal El País, que o Brasil
está sendo governado por “um bando de maluco”.

Depois de uma batalha judicial em que a entrevista chegou a
ser censurada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), decisão revista na semana
passada, o petista enfim recebeu os dois veículos, em uma sala preparada pela
Polícia Federal na sede do órgão em Curitiba, onde está preso. Os agentes
explicaram aos jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas presentes que ele seria
colocado em uma mesa a uma distância de 4 metros de todos. Ninguém poderia se
aproximar. Segundo a PF, eles estavam cumprindo um protocolo de segurança comum
a todos os presos.

Em duas horas e dez minutos de conversa, o ex-presidente
falou da vida na prisão, da morte do neto, do governo de Jair Bolsonaro, das
acusações de corrupção que sofre e da possibilidade de nunca mais sair da
prisão. “Não tem problema”, afirmou ele quando questionado sobre a
possibilidade. “Eu tenho certeza de que durmo todo dia com a minha
consciência tranquila. E tenho certeza de que o Dallagnol não dorme, que o [ministro
da Justiça e ex-juiz Sergio] Moro não dorme.” Reservou ao ex-magistrado, o
primeiro que o condenou pelo caso do triplex do Guarujá, algumas de suas
principais ironias. “Sempre riram de mim porque eu falava ‘menas’. Agora,
o Moro falar ‘conje’ é uma vergonha”, afirmou.

Lula disse também acreditar que “Moro não sobrevive na
política”. Já sobre o presidente Jair Bolsonaro, não foi tão taxativo.
Apesar de várias críticas, afirmou que “ou ele constrói um partido sólido,
ou não perdura”. Lula disse que a elite brasileira deveria fazer uma
autocrítica depois da eleição de Bolsonaro. “Vamos fazer uma autocrítica
geral nesse país. O que não pode é esse país estar governado por esse bando de
maluco que governa o país. O país não merece isso e sobretudo o povo não merece
isso”, afirma. E comparou o tratamento que a imprensa dá a ele com o que
reserva ao atual presidente da República. “Imagine se os milicianos do
Bolsonaro fossem amigos da minha família?”, questionou, referindo-se ao
fato de o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, ter empregado familiares de um
miliciano foragido da Justiça em seu gabinete quando era deputado estadual pelo
Rio. O ex-presidente chorou quando falou da morte do neto Artur, de 7 anos,
vítima de uma bactéria, há um mês: “Eu às vezes penso que seria tão
mais fácil que eu tivesse morrido. Eu já vivi 73 anos, poderia morrer e deixar
o meu neto viver”.

Lula disse ainda que, se sair da prisão, quer “conversar
com os militares” para entender “por que esse ódio ao PT” já que
seu governo teria recuperado o orçamento das Forças Armadas. Disse que
acompanha a briga de Bolsonaro com o vice-presidente, Hamilton Mourão. Mas
afirmou que era “grato” ao general “pelo que ele fez na morte do
meu neto [defender que ele fosse ao velório], ao contrário do filho do
Bolsonaro [Eduardo]”, que afirmou no Twitter que Lula queria se vitimar
com a morte do menino. Afirmou que o país tem hoje “o mais baixo nível de
política externa que já vi na vida”. E disse, em tom de brincadeira, que o
ex-chanceler de seu governo, Celso Amorim, tem uma dívida por ter deixado o
atual chanceler, Ernesto Araújo, seguir carreira no Itamaraty.

Questionado sobre Fernando Henrique Cardoso, disse que o
ex-presidente poderia “ter um papel de grandeza e mais respeitoso com ele
mesmo, não comigo”. 

O ex-presidente falou ainda da necessidade de diálogo entre
partidos de esquerda. E comentou o fato de o senador Cid Gomes (PSB-CE), irmão
de Ciro Gomes, que afirmou em um encontro do PT: “Lula está preso,
babaca!”. O petista disse que não ficou chateado pois está mesmo preso. “Isso é uma verdade. Só não precisava chamar os outros de babaca”,
disse, rindo. Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do
tríplex de Guarujá. Ele está preso desde abril de 2018, depois
de ter sido condenado pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª
Região), a segunda instância da Justiça Federal.

Na última terça-feira (23), em decisão unânime, a Quinta
Turma do STJ reduziu a pena do ex-presidente e abriu caminho para ele saia do
regime fechado ainda neste ano. O tribunal manteve a condenação do petista,
mas baixou a pena de 12 anos e 1 mês de prisão para 8 anos, 10 meses e 20
dias. O petista já foi condenado também no caso do sítio de Atibaia
(SP) -a 12 anos e 11 meses pela juíza Gabriela Hardt, na primeira
instância em Curitiba, pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. O caso,
porém, ainda passará pela análise do TRF-4. O pedido de entrevista com o
ex-presidente passou por um vaivém de decisões judiciais. Em julho de 2018, a
juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena de Lula,
barrou a realização da entrevista, afirmando não haver previsão constitucional
que dê ao preso direito de falar com a imprensa. Após reclamação ao STF
(Supremo Tribunal Federal) feita pela Folha de S.Paulo, o ministro
Ricardo Lewandowski autorizou em 28 de setembro que a entrevista
fosse realizada em Curitiba. 

A liminar, porém, foi derrubada no mesmo dia pelo
ministro Luiz Fux, também do Supremo. Ele julgou pedido do partido Novo,
que alegava que o PT apresentava Lula como candidato à Presidência da
República, desinformando os eleitores. O petista foi impedido de concorrer
na eleição presidencial devido à Lei da Ficha Limpa, que barra candidaturas
de condenados em segunda instância, e acabou substituído por Fernando
Haddad, também do PT. Ao suspender a entrevista, Fux determinou ainda
que, caso já tivesse sido realizada, sua divulgação estaria
censurada. A liminar de Fux foi revogada no último dia
18 pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Já nesta
quinta-feira (25), véspera da entrevista, a Polícia Federal tentou
modificar a decisão do STF, permitindo que jornalistas de outros veículos
assistissem à entrevista, conduzida pela Folha de S.Paulo e pelo
jornal El País, autores da ação judicial no Supremo.

Lewandowski, no entanto, barrou a presença de jornalistas que
não sejam da Folha de S.Paulo e do El País e considerou a
iniciativa da PF uma “franca extrapolação dos limites da autorização
judicial em questão”. CURITIBA, PR (FOLHAPRESS).

Foto: FolhaPress

 

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