Os diálogos publicados pelo site The Intercept Brasil que mostram
colaboração entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol podem
ser usados para anular casos da Lava Jato mesmo que os arquivos eletrônicos não
sejam analisados por peritos que avaliem sua autenticidade.
Para advogados e professores, a maneira como o atual ministro da Justiça e o
procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das
afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo
é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava Jato,
por exemplo, contra o ex-presidente Lula.
Por esse raciocínio, o fato de o material ter sido provavelmente obtido por
meio de um crime faz com que ele não tenha como ser utilizado para acusar um
suspeito, mas possa servir para absolver um acusado.
Nesta terça (11), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes
afirmou que “não necessariamente” os vazamentos divulgados pelo site
anulam provas que venham a ser produzidas a partir deles. “Porque se
amanhã [uma pessoa] tiver sido alvo de condenação por exemplo por assassinato,
e aí se descobrir por prova ilegal que ela não é autor do crime, se diz que em
geral essa prova é válida”, declarou.
À tarde, em sessão, ele disse também que “juiz não pode ser chefe de
força-tarefa”. Nos bastidores do Supremo, a opinião de Gilmar é
acompanhada por ao menos outros 2 dos 11 ministros na corte. Para a professora
de direito constitucional da FGV (Fundação Getulio Vargas) Eloísa Machado de
Almeida, a reação da força-tarefa o de Moro em notas oficiais, “corrobora
o conteúdo, ainda que parcialmente, dessas conversas”.
“O que se mostra até agora é que eles não estão colocando em xeque a
veracidade das informações, mas a origem ilícita [dos arquivos].” Por
enquanto, não há arquivo a ser periciado. A PF tem investigação em andamento
sobre ataques de hackers a autoridades. O site The Intercept Brasil afirma que
recebeu as conversas de uma fonte e que respeitará o direito ao sigilo.
Para Eloísa Machado, existe a possibilidade de o Supremo julgar a validade do
uso dos diálogos a favor de Lula já na sessão do próximo dia 25, data em que
está marcada a análise de um pedido de suspeição contra Moro. A corte pode
reconhecer sem provocação da defesa, que houve uma irregularidade no processo. “É um debate jurídico que não é simples.”
Para o professor de direito da USP Gustavo Badaró, se for para beneficiar os
réus, pode ser que o tribunal “entenda que bastam essas provas sem uma
negação veemente da autenticidade delas pelo Ministério Público”. “É
uma questão de convencimento. É como ter um documento assinado, sem
reconhecimento de firma, em que a pessoa não negou que é dele”, diz o
professor, que tem clientes na Lava Jato.
O caso de Lula tem mais chances de prosperar porque, nas conversas reveladas
pelo site até agora, há mais elementos que sugerem atuação irregular de Moro e
Deltan na investigação. O ex-juiz da Lava Jato chegou a sugerir ao procurador,
em 2015, a apuração de uma pista contra o petista. Além disso, o magistrado
possivelmente aconselha a antecipação de operação na qual houve busca e
apreensão no apartamento do ex-presidente.
Um outro preso da Lava Jato mencionado nos diálogos é o ex-tesoureiro do PT
João Vaccari Neto. Moro, mostrou a reportagem do The Intercept Brasil, fala em
agilizar o julgamento na segunda instância do ex-tesoureiro. Os indícios de
suposta atuação combinada e direcionada contra Lula devem ser usados por
defesas de outros alvos da Lava Jato. É possível que os pedidos sejam
apreciados caso a caso e em diferentes instâncias do Judiciário. As defesas
podem pedir habeas corpus argumentando nulidade dos casos.
O advogado Roberto Podval, que defende José Dirceu, ex-ministro que voltou a
ser detido em maio, diz que não há dúvida da veracidade das mensagens e que
todas as condenações com “tendência política e parcial” precisam ser
revistas. (
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Foto: Alan Santos