Falsidade ideológica, coação no curso de processo, advocacia
administrativa, prevaricação, obstrução de justiça e corrupção passiva
privilegiada são os crimes que podem ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro,
depois das revelações feitas por Sergio Moro na última sexta-feira (24), quando
anunciou sua saída do Ministério da Justiça. São os mesmos crimes que
constam no pedido de abertura de investigação autorizado pelo Supremo Tribunal
Federal na noite de segunda-feira (27).
Nada disso, no entanto, é capaz de dar robustez a um
processo de impeachment do presidente da República. A avaliação é de
especialistas ouvidos pelo bahia.ba nesta terça (28). Primeiro,
porque não há provas que solidifiquem as acusações de Moro.
“Não vejo motivo pra isso, até porque as coisas que foram
ditas têm que ser comprovadas, e não tem nenhuma comprovação disso”, avalia o
advogado Ademir Ismerim.
A advogada Deborah Guirra entende que deveriam existir
provas mais concretas que um print de conversas via WhatsApp. Valeria, por
exemplo, a promessa de cargos ou retaliação a servidor.
“A gente só sabe o que foi mostrado na imprensa, o que o
próprio Moro mostrou. A princípio, não caracterizo como crime capaz de ensejar
processo de impeachment”, acrescenta.
Processo político
O segundo fator que justifica a análise dos especialistas é
que impeachment é um instrumento que depende muito mais de vontade política dos
congressistas do que, efetivamente, de uma circunstância judicial. A própria
Constituição alarga os parâmetros de interpretação do que pode culminar no
afastamento do presidente.
O professor Jaime Barreiros, da Universidade Federal da
Bahia, observa que o artigo 85 sugere que muita coisa pode se encaixar em crime
de responsabilidade. Por exemplo, descumprimento de lei federal e comportamento
contrário ao decoro do cargo.
“Qualquer presidente sempre está vulnerável ao impeachment.
A Constituição deixou aberta essa possibilidade. A viabilidade ou não, mais do
que questão jurídica, é questão política. Basicamente, o argumento se arranja,
se houver vontade política. Se o Congresso tiver interesse de realizar o
impeachment, bastá que o presidente da Câmara aceite algum dos pedidos e exista
clima favorável”, explica.
Barreiros lembra que houve tentativa de impeachment do
ex-presidente Michel Temer, mas não deu certo porque ele tinha base de apoio. O
mesmo aconteceu com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando
Henrique Cardoso, Itamar Franco e José Sarney.
Por outro lado, deu certo com Fernando Collor e Dilma
Rousseff porque ambos perderam apoio do Parlamento e tiveram sua popularidade
desgastada junto à população. Sofrer um impeachment ou não, seguindo a
lógica do professor, dependerá do comportamento de Bolsonaro daqui pra frente.
“Tudo vai depender de como Bolsonaro vai conseguir se
relacionar com o Congresso Nacional e com a sociedade em geral. Por outro lado,
ele continua sendo muito popular. Vai depender se ele vai conseguir manter
popularidade, politicamente se aproximar mais do Congresso Nacional. Ele agora
está se aproximando mais do ‘Centrão’, vai garantir mais força dentro da
Câmara. Se conseguir se articular bem, a ideia do impeachment se esfria. Mas se
continuar tendo relacionamento difícil com Congresso, se o desgaste da imagem
dele continuar, acho que antes do final do ano poderia acontecer uma situação
dessa”, avalia Barreiros.
Prioridade é outra
Falamos que abertura de processo de impeachment depende da
vontade política de deputados e senadores, o que parece não existir nesse
momento em que o Brasil tem quase 68,2 mil pessoas com a Covid-19 e 4.674
pessoas morreram por causa do novo coronavírus. A prioridade é outra, avaliam
os especialistas ouvidos pelo bahia.ba. O próprio presidente da
Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já deixou claro a direção para a qual a Casa tem olhado.
“Era hora de todos os Poderes, a partir do presidente, ter
conduta de união, não de criar problemas. Já basta o que a gente tem com
coronavírus. O momento é de união, não de desagregação. Acho que o foco no
momento realmente é o coronavírus”, avalia Guirra.
A advogada, no entanto, não descarta o surgimento de fatores
que justifiquem o impeachment depois de passada a pandemia. (Estela Marques)
Foto: José Cruz/Agência Brasil