Durou pouco a ilusão?

Marina Silva continua favorita nas eleições
presidenciais por conta da imagem que construiu 
anos a fio, como alguém que enfrentou o poder econômico, defendeu a
reforma agrária,  a preservação das
florestas, o desenvolvimento sustentável, a co-gestão, a participação dos
empregados no lucro das empresas,  o
imposto sobre grandes fortunas e a multiplicação do salário mínimo.
Essencialmente porque integrou-se aos anseios do  cidadão comum e aos reclamos da  massa desfavorecida que  a identifica como alguém igual à maioria.  Ainda mais por ter nascido  e sido criada 
no meio do mato, passado fome, aprendido a ler e escrever aos dezesseis
anos e  adquirido doenças que até hoje a
atormentam,  além de ser negra.

Trata-se de um 
patrimônio para ninguém botar defeito, mas a um mês das eleições,  depois de haver empolgado  o país inteiro com sua meteórica
ascensão,  eis que Marina começa a    recuar e a fazer média com as elites de
sempre. Talvez imagine, como o Lula imaginou depois de perder por três vezes
as  eleições, que só conquistaria o poder
compondo-se com as classes mais 
favorecidas.  A candidata
arrisca-se a  cometer o mesmo  erro, desligando-se de suas origens e
integrando-se aos  mesmos de sempre. Joga
suas características fundamentais, que poderá perder, sem a contrapartida de
ganhar qualidades que nunca possuiu. Basta notar a simpatia com que é  recebida pelos sociais-democratas e a chamada
grande imprensa.

Acaba de fazer as pazes com o agro-negócio e com os
usineiros,  plantadores de cana. Nada
contra ele num sistema como o que vivemos,  
não fosse a evidência de que rejeitam cada um dos  propósitos antes enunciados por Marina. Não
querem ouvir falar de reforma agrária, muito menos de preservação das
florestas. Podem estar certos, dentro dos conceitos do capitalismo selvagem que
nos assola, mas exultaram  ao ouvir da
candidata a negativa de suas convicções passadas.   Preferem Aécio, talvez Dilma, mas ficaram
felizes ao perceber que exorcizaram um fantasma. Porque vão  pegar Marina na palavra, caso ela  confirme na corrida a pole-position hoje
conquistada. Poderão criar problemas, como tem criado há séculos, desde que
algum presidente da República tentou  voltar-se
para as necessidades populares.  Foram os
donos da terra que derrubaram Getúlio Vargas e João Goulart.

Mas tem mais, nesse recuo que os pronunciamentos de
Marina tem  revelado. Ela acaba de  posicionar-se 
pela autonomia do Banco Central, 
a entrega aos bancos privados do controle do mercado de crédito,  a minimização do pré-sal, como também contra
a energia nuclear,  o casamento
civil  dos homossexuais, assim como
em  favor do aumento  nos preços da gasolina e da energia elétrica.
Até pela inclusão de Fernando Henrique Cardoso no seu futuro governo. Que
programa é esse batendo de frente com suas anteriores promessas sociais? No
texto distribuído à imprensa no fim de semana, como programa da candidata, nada
de  distribuição da terra aos que dela
necessitam, de imposto sobre grandes fortunas, de participação dos empregados
no lucro das empresas, de co-gestão e de 
duplicação do salário  mínimo.
Podemos estar errados, tomara que estejamos, mas por aí  Marina, Aécio e Dilma são peças do  mesmo tabuleiro.  Durou pouco 
a ilusão? (Carlos Chagas/Diário do Poder)

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