DECISÃO DO STF INVIABILIZA FICHA LIMPA E BENEFICIA CANDIDATOS COM CONTAS REJEITADAS

Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) referendada na
sessão da última quarta-feira (10) libera a candidatura de ao menos 80 dos
políticos inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa a concorrer as eleições de 2016.
Em julgamento conjunto de dois recursos extraordinários (REs 848826 e 729744),
ministros entenderam que é exclusividade da Câmara Municipal a competência para
julgar as contas de governo e da gestão de prefeitos. De acordo com a
deliberação do plenário, cabe ao tribunais de contas apenas auxiliar o Poder
Legislativo municipal, emitindo parecer prévio e opinativo, mas que poderá ser
derrubado por decisão de dois terços dos vereadores.

As entidades ligadas à criação da Lei da Ficha Limpa
começaram a se mobilizar tão logo a sessão do STF foi concluída. Um dos
idealizadores da lei e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), o ex-juiz Márlon Reis avalia que a decisão da Corte é a [de efeito mais
drástico] sobre a regra sancionada em 2010. De acordo com o especialista, as
instituições estão avaliando a [saída jurídica] mais eficaz para recorrer à
questão.

[Estudamos uma maneira de tentar modificar esse
entendimento, porque ele não pode ser prevalecido], destacou ao Congresso em
Foco.

Márlon Reis explicou que existe possibilidade de apresentar
embargo de declaração ainda no âmbito deste processo. O advogado relata que a
decisão foi tomada em uma ação individual, e que o STF pode ser chamado a falar
no Controle Concreto de Constitucionalidade. [As entidades não vão desistir.
Vamos buscar sensibilizar o Supremo para que esse entendimento seja mudado.
Essa não é a palavra final], destacou.

No primeiro recurso (848826), o presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, enfatizou que, pela Constituição, a atribuição para julgar as
contas do chefe do Executivo municipal são os vereadores, já que são eles os
representantes dos cidadãos. A divergência apresentada por Lewandowski foi
seguida pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Marco
Aurélio e Celso de Mello. Foram vencidos os votos do relator, ministro Luís
Roberto Barroso, e dos ministros que o acompanharam: Teori Zavascki, Rosa
Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli.

Grande pesar

No julgamento do segundo recurso (729744), o
ministro-relator, Gilmar Mendes, decidiu ainda que nos casos de omissão da
Câmara Municipal, o parecer emitido pelo tribunal de contas em questão não
poderá ser utilizado para gerar a inelegibilidade do político nos próximos
pleitos eleitorais. O ministro destacou que o dispositivo, segundo a redação
dada pela Lei da Ficha Limpa, aponta como inelegíveis aqueles que [tiverem suas
contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, para as
eleições que se realizarem nos oito anos seguintes, contados a partir da data
da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do artigo 71 da Constituição
Federal].

[Entendo, portanto, que a competência para o julgamento das
contas anuais dos prefeitos eleitos pelo povo é do Poder Legislativo (nos
termos do artigo 71, inciso I, da Constituição Federal), que é órgão
constituído por representantes democraticamente eleitos para averiguar, além da
sua adequação orçamentária, sua destinação em prol dos interesses da população
ali representada. Seu parecer, nesse caso, é opinativo, não sendo apto a
produzir consequências como a inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, g, da
Lei complementar 64/1990], afirmou o relator, ressaltando que tal entendimento
é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Márlon Reis contesta: [A norma que trata da inelegibilidade
dos políticos que tiveram contas rejeitadas é a que tem mais ampla utilização
dentre todas as da Lei da Ficha Limpa. Por isso, vimos com grande pesar a
decisão tomada ontem (quarta, 10). Essa decisão amplia o descontrole. É obvio
que vereadores não vão julgar tecnicamente as contas. As contas de gestão são
contas técnicas, não políticas. Um vereador não pode aprovar contas de um
prefeito que não fez licitação quando deveria fazer, por exemplo. Mas o Tribunal
de Contas pode dizer: [Não, a lei mandava fazer licitação nesse caso],
detalhou à reportagem. [Foi um grave equívoco cometido pelo STF], acrescentou.

Abuso de poder

Essa não foi a primeira deliberação do Supremo a beneficiar
candidatos com problemas na Justiça Eleitoral. Como este site mostrou em 3 de
agosto, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou, em julho, reclamação em que o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, questionava a decisão da Justiça
sobre um pedido de [quitação eleitoral] documento que confirma que o eleitor
está em dia com as leis pertinentes. O pedido havia sido aceito e beneficiado o
político sul-mato-grossense Nelson Cintra Ribeiro, sem levar em consideração a
Lei da Ficha Limpa. Na reclamação (RCL 24224), o procurador argumenta que
Nelson foi condenado a inelegibilidade de três anos pelo Tribunal Regional
Eleitoral do Mato Grosso do Sul (TRE-MS) por abuso de poder político.
Entretanto, apesar de os fatos serem referentes ao pleito de 2008, conforme a
redação anterior da Lei 64/1990, alterada posteriormente pela Lei da Ficha
Limpa, a inelegibilidade atribuída deveria ser de oito anos, e não três, como
acatado pelo tribunal.

Na decisão, Barroso afirmou que ainda está em análise no STF
a possibilidade de aplicação do prazo de oito anos de inelegibilidade em casos
específicos de abuso de poder e em situações anteriores à Lei Complementar
135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Apesar da constatação, Janot diz que a decisão
do ministro afronta a autoridade do Supremo, verificada nas ações declaratórias
de constitucionalidade (ADCs) 29 e 30 e da ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) 4578, nas quais, segundo o procurador-geral, o STF entendeu ser possível
a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores à sua vigência.

À época, Márlon disse à esta reportagem que o próprio
Supremo acompanhou o voto do relator sobre a inelegibilidade retroativa, ou
seja, referentes a acusações anteriores à validação da lei. Ele enfatizou
esperar [que a rigidez inerente à Lei da Ficha Limpa seja preservada] pelos
ministros quando a matéria for julgada pelo plenário da Corte. Para Márlon, a
reclamação apresentada por Rodrigo Janot é [completamente válida]. (Congresso em Foco)

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